No início de outubro do ano passado, o time de hockey da Universidade de Massachusetts fez uma mudança notável em seu formato de jogo. Eles removeram permanentemente do roteiro a música “Rock and Roll” que servia como base para o canto de comemoração de gol “Ei, você é péssimo!”. Essa mudança foi feita de forma abrupta e com poucas explicações por parte da Atlética da UMass. Não foi até que Amin Touri, do Daily Collegian, destacasse a história profundamente problemática do criador da música, Gary Glitter, que os fanáticos foram informados da motivação por trás dessa mudança.
Glitter é um agressor sexual reincidente e é compreensível que um programa esportivo universitário queira se distanciar desse indivíduo. Como fã da UMass Hockey, eu finalmente fiz as pazes com essa decisão. Meu amor pelo esporte não depende da existência de uma única música. Dito isto, devo admitir que fiquei triste ao ver o canto desaparecer e o conflito interno resultante me levou a reconsiderar o antigo dilema de separar a arte do artista.
Quando um artista faz algo ilegal ou imoral, é possível ainda ser um fã de seu trabalho? Ou a arte, como seu criador, agora é irrecuperável? Responder genuinamente a essa pergunta exige que olhemos além de nossa reação instintiva e que nos reconciliemos com nossa própria dissonância cognitiva. A verdade é que dificilmente existe um padrão uniforme no tratamento da arte criado por artistas problemáticos em nossa sociedade. Considere Michael Jackson, R. Kelly e David Bowie – todos acusados de cometer crimes sexuais contra menores. Embora a música de R. Kelly tenha sido colocada na lista negra de muitas estações de rádio, pouco protesto é ouvido sobre Michael Jackson ou Bowie. Da mesma forma, muitos pedem o boicote de Chris Brown desde que ele foi considerado culpado de abuso doméstico, mas o trabalho de John Lennon, que admitiu abertamente o mesmo crime, ainda está intacto. O que exatamente nos torna mais ou menos inclinados a evitar o trabalho de um artista? Certamente, a gravidade do crime cometido afeta essa decisão. Afinal, existe uma hierarquia de comportamento anti-social na sociedade.
Eu não ficaria tão ansiosa por boicotar o Glitter se ele fosse um batedor de carteiras ou se cruzasse a rua fora da faixa. Mas a má conduta sexual é onde a maioria das pessoas traça o limite. Suspeito que exista outro fator menos objetivo que também colore nosso julgamento – nossos sentimentos pré-existentes sobre a arte antes que a imoralidade do artista seja revelada. Pelo menos é isso que diferencia meu tratamento de Chris Brown do dos Beatles. Eu nunca fui uma grande fã de Brown e, dado o meu conhecimento recente de seu comportamento repreensível, não tenho escrúpulos em “cancelá-lo”. Não posso dizer o mesmo sobre Lennon, no entanto, cujas ações eu desaprovo igualmente, mas por cuja música tenho carinho demais para deixar de lado.
Digamos que você continue a apreciar a arte de um artista problemático: até onde você iria? Você usaria uma camiseta com o rosto do artista estampado? Se eles lançassem músicas novas, você compraria ingressos para ver seus shows? Talvez não. Isso nos leva a um argumento comumente feito contra a separação da arte do artista- de que devemos “punir” financeiramente os famosos por seu comportamento imoral. Ao apoiar financeiramente alguém, criamos incentivos para que eles repliquem seu trabalho no futuro. Entretanto essa decisão também não é desprovida de complicações. É fácil boicotar financeiramente um artista solo, mas a arte raramente é criada em isolamento. Assim, punir financeiramente um artista significa punir muitas outras pessoas inocentes- como escritores, membros da banda, equipe de filmagem ou cantores de fundo- cujos meios de subsistência estão vinculados aos do artista. Além disso, quem somos nós para punir um indivíduo fora dos limites do sistema de justiça criminal? Esse modelo de vigilância nas redes sociais ou “justiça virtual” pretende preencher lacunas em nossas leis, desestimulando comportamentos inadequados. Mas os tribunais existem precisamente porque a multidão não vê razão. Como mencionei acima, o pensamento das massas está cheio de preconceitos e inconsistências. O sistema de justiça, apesar de suas muitas falhas, pelo menos tenta manter um padrão uniforme.
Outro argumento contra a separação da arte do artista apela à onipresença. Por que se apegar ao trabalho de artistas problemáticos, quando existem muitos artistas não-controversos por aí? Novamente, a suposição aqui é que apreciar a arte de alguém implica um apoio sutil ao seu estilo de vida ou valores sociais. Mas, como o autor Coleman Hughes ressalta, “como justificar isso quando estamos no escuro sobre os valores e comportamentos sociais da maioria dos artistas por aí, especialmente os da era pré-Internet”. Além disso, todo artista está a apenas um tweet ou escândalo de ser uma pessoa terrível. Devemos prender a respiração até que não possamos mais desfrutar de suas criações? Para mim, isso parece uma existência triste.
Parte do problema com o modelo de justiça virtual é que ele tenta manter os artistas sob algum padrão super-humano, quando, na realidade, eles são como a maioria das pessoas – defeituosos. Isso não explica seu comportamento, mas abre mais espaço para contradições. Como observa a jornalista Zoe Strimpel, “Dickens era misógino e profundamente racista, democrata comprometido e oponente à escravidão, e seu trabalho merece ser lido sob todos esse vieses”.
Se você não está mais perto de assumir uma posição sobre esse assunto do que estava no início deste artigo, eu fiz meu trabalho. Separar a arte do artista é um problema difícil, cuja resposta eu não pretendo saber. Até o autor Clint Margrave, que escreveu um artigo na revista Guillette, defendendo essa separação, admitiu recentemente em uma carta da Wiki que ele tinha suas dúvidas. Pessoalmente, escolho fazer esse julgamento caso a caso. Se você pode optar por seguir a rota do boicote terá mais poder. Você tem todo o direito de exercer sua liberdade financeira. Se você continuar a se envolver, não há julgamento. Qualquer pessoa que insista que essa é a única “escolha correta” está ignorando a realidade.
Bhavya Pant é uma editora assistente e pode ser contada através do bhavyapant@umass.edu e seguido no Twitter @bhavya_pant.
Carly Longman é tradutora de português do Collegian e pode ser contada através do [email protected]
Gabriella Lalli Martins é editora de português do Collegian e pode ser contatada através do [email protected].